G20: Cura-te a ti mesmo


 

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Jeffrey D. Sachs, professor de Desenvolvimento Sustentável e Política e Administração de Saúde da Columbia University em Nova York e diretor da Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável (SDSN) da ONU, avalia a postura de membros do G20 frente à pandemia em artigo publicado no Project Syndicate.

Confira o texto na íntegra.

 

Os ministros das Finanças do G20 se reúnem nesta semana sob os auspícios da Arábia Saudita, que detém a presidência do grupo este ano. Mas é difícil imaginar países do G20 liderando o mundo, como eles gostam de fazer de conta que fazem. A maioria deles não tem condições de efetivamente liderar a atual crise do COVID-19.

 

Como são as maiores economias do mundo, os membros do G20 têm primordial responsabilidade na próxima reunião: concordar nas às ações para suprimir a pandemia. Alguns poucos países do G20 estão se saindo bem. Os países retardatários precisam tomar urgentes medidas para impedir a propagação do vírus. Todos os países do G20 precisam cooperar nas políticas de escala global para superar a crise da saúde.

 

É preocupante a visão geral dos países do G20. Muitos são tão mal governados que foram totalmente incompetentes em conter a pandemia. A julgar pelos dados das duas últimas semanas, o maior fracasso do G20, com 176 novos casos, todos os dias, por milhão de habitantes, o Brasil, liderado pelo imprudente populista Jair Bolsonaro, ele próprio agora tendo contraído o vírus. O segundo maior fracasso são os Estados Unidos, liderados pelo Bolsonaro do norte, Donald Trump, com 137 novos casos por dia, por milhão de habitantes. Os outros dois países do G20 com mais de 100 novos casos por dia por milhão de habitantes são a África do Sul (129) e a Arábia Saudita (112).

 

O próximo grupo de países, reportando de 10 a 100 novos casos por dia por milhão de habitantes, inclui Rússia (47), México (43), Turquia (16), Índia (15) e Reino Unido (11). Todos esses países correm o risco de um significativo aumento na transmissão, com México e Índia parecendo estar em maior risco.

 

Atualmente, seis países do G20 registram de 1 a 10 novos casos por dia por milhão de habitantes – números razoavelmente baixos que possibilitam a decisiva supressão do vírus em um futuro próximo: Canadá (8), França (8), Alemanha (5), Indonésia (5), Itália (4) e Austrália (3).

 

Apenas três países do G20 relatam menos de um caso novo por dia por milhão de habitantes: Coréia do Sul (0,96), Japão (0,9) e China (0,01). Esses três países do nordeste asiático aplicaram a combinação necessária de liderança política, profissionalismo em saúde pública e comportamento responsável (uso de máscaras, distanciamento físico e aprimoramento da higiene pessoal).

 

Uma epidemia é um fenômeno social e precisa de uma resposta social. Como Coréia do Sul, Japão e China demonstraram, o vírus pode ser suprimido – ou seja, novos casos podem ser baixados para quase zero – se uma lógica básica for seguida. Aqueles que estão infectados com o vírus precisam proteger aqueles que não estão infectados. Eles podem fazer isso de quatro maneiras durante as duas semanas em que são infectantes: manter distância física; usar máscaras faciais; ficar em casa e longe dos outros; e permanecer em recinto público de quarentena se o isolamento na própria casa não for seguro.

 

Essa proteção não precisa ser perfeita e, de fato, não será. No entanto, deve ser boa o suficiente para garantir que, em média, 1 indivíduo infectado infecte menos que 1 outro. Todas as pessoas devem ser cautelosas até a pandemia ser suprimida. Isso significa usar máscaras em locais públicos, manter uma prudente distância dos outros e monitorar a si mesmos e seus contatos próximos quanto aos sintomas. Órgãos públicos precisam disponibilizar locais de teste e serviços de apoio ao isolamento de indivíduos infectados, seja em casa ou em instalações públicas. Os responsáveis por locais de trabalho devem tomar medidas de precaução, incluindo trabalho remoto ou seguro distanciamento físico no local.

 

As flagrantes falhas do G20 começaram na maioria dos casos no topo. Bolsonaro e Trump são fanfarrões, valentões, divisores e sociopatas. O enorme número de mortos em seus países não os levou a expressar compaixão, nem tampouco a políticas efetivas de saúde pública. Observa-se um comportamento perverso semelhante entre outros homens fortes do G20. Embora as mulheres líderes (na Nova Zelândia, Finlândia, Dinamarca e outros países) tenham um histórico superior na pandemia o G20, infelizmente, tem apenas uma, a Chanceler Angela Merkel.

 

Trump é um caso especial, porque ele governa a maior potência militar do mundo. A sociopatia de um presidente dos EUA é uma tragédia mundial, diferente da de um presidente brasileiro (embora a sociopatia de Bolsonaro afete o mundo por meio de uma agenda contra o ambiente que alimenta a irresponsável e deliberada destruição da Amazônia). A decisão de Trump de retirar os EUA da Organização Mundial da Saúde em meio à batalha pandêmica produz imediatas repercussões globais. O mesmo acontece com seus esforços para iniciar uma nova guerra fria com a China, em vez de salvar o próprio país e cooperar com a China para ajudar o resto do mundo a combater a pandemia.

 

Nisso, a China obviamente tem muito a oferecer. O país tem tomado as medidas mais decisivas do mundo para suprimir uma pandemia fulminante (após o primeiro surto em Wuhan) e pode estar a caminho de produzir a primeira vacina utilizável.

 

No entanto, os resultados sociais não são apenas resultado de liderança política. Também dependem da cultura e da responsabilidade social. A cultura confucionista do nordeste da Ásia enfatiza a cooperação social e o comportamento pessoal pró-social, como o uso de máscaras faciais. Americanos fanáticos, incitados por Trump, proclamam em voz alta a liberdade de rejeitar máscaras faciais – ou seja – a liberdade de infectar outros americanos. Dificilmente, afirmações como essa seriam ouvidas nordeste da Ásia.

 

O que também é notável é o fracasso dos líderes empresariais dos EUA em tomar medidas para conter a epidemia. Um dos principais empresários da América, Elon Musk, exigiu a reabertura da economia (e de seus negócios), em vez de usar seu talento em engenharia para ajudar a conter o vírus. Outros líderes empresariais também contribuíram muito pouco ou quase nada para suprimir a epidemia. Isso também faz parte da cultura americana: dinheiro em detrimento da vida humana, riqueza pessoal em detrimento do bem social.

 

Os ministros das Finanças do G20, sem dúvida, falarão de dinheiro – orçamentos, incentivos, política monetária – e assim deveriam fazê-lo, mas somente depois de falarem em interromper a trajetória do vírus propriamente dito. Não há como salvar a economia sem parar a pandemia. Garantir medidas efetivas de saúde pública é o essencial da política econômica de hoje.

 

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil

 

Jeffrey D. Sachs, professor de Desenvolvimento Sustentável e de Políticas e Gerenciamento de Saúde da Universidade de Columbia, é diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável de Columbia e da Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável (SDSN) da ONU. Ele já atuou como consultor especial para três secretários-gerais da ONU. Seus livros incluem O Fim da Pobreza, Riqueza Comum, A Era do Desenvolvimento Sustentável, Construindo a Nova Economia Americana e, mais recentemente, Uma Nova Política Externa: Além do Excepcionalismo Americano.

 

Publicada em 27 de julho de 2020 e está arquivada em Notícias e Eventos.


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